SILÊNCIO NEGRO
" Mãezinha, eu estou aqui neste lugar,
tão frio, tão feio, tão só, não posso me mover, nem falar, só me lembrar de
quando você e papai se amaram tanto, tão profundamente, quando se queriam
apaixonadamente, contudo eu não estava em seus planos, em nenhum momento
pensaram em mim, não me planejaram, não esperaram, não me amaram; então porque
mãe? Por que deixou que eu me tornasse um embrião, me concedeu o tempo de me
transformar em um feto, me alimentar do teu sangue, respirar por você, sentir
teu calor me envolvendo, sentir meu
coração batendo? Ainda sem ser ninguém já podia sentir sua dor, seu
medo, sua infelicidade e ficava bem quietinha para não te incomodar, e você nem
me tocava com carinho; puxa mamãe por que me fez isso? Eu poderia Ter sido sua
melhor amiga, te consolar da dor, ser tudo de bom, eu faria tudo, tudo. E
quando fosse grande ajudaria você com os serviços de casa, não iria nem comer
muito para não faltar o alimento do dia seguinte, não me encomodaria em ser pobre, nem estudar
em escola pública, seria boazinha e caridosa com todo mundo e ti ajudaria a
conquistar o papai. Eu nunca faria má-criações, seria o seu orgulho, não me
importaria com os outros, só queria que me amasse, que me esperasse como todas
as outras mamães. Hoje vejo no teu rosto uma certa infelicidade, pois está tão
só quanto papai e eu. Ele está longe, nunca quis saber de mim, tudo bem ele eu
entendo, tinha outros planos, era jovem, bonito, queria Ter muitas mulheres,
mas não é justo, não é justo mamãe, não é justo. Você que me deu a vida, que me
sentiu, foi justamente quem não me quis; estava tão preocupada com sua beleza,
com sua juventude, queria tanto ser alguém, Ter dinheiro, uma carreira
brilhante, que não sobrou nenhum tempo para mim. Eu poderia Ter sido tão
importante para você, nem me revelaria sua filha, se assim quisesse para manter
sua aparência eu faria qualquer coisa, só pra te ver feliz e jamais te
abandonaria se o mundo lhe virasse as costas, jamais a condenaria de alguma
coisa, de Ter tentado um momento de felicidade, mas você não quis nada disso e
permitiu que me colocasse aqui, neste vidro tão pequeno, cheio de álcool, a
título de pesquisa, nem para a terra me concedeu o lugar. Só no céu Deus, meu
Pai me acolheu, e aqui fico e pergunto sempre, em meio a tanto padecimento: Por
que não me amou? Por que não me quis? Por que não me protegeu? Se ainda era tão
pequena e indefesa. Por que não me deixou viver? Por que me matou? Por que me
abortou???""
(Releitura. Rosilene S. Oliveira/ 1998- imagem web )
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